quarta-feira, 13 de junho de 2012

Jesus, o Imutável

Carl Gustav Jung, o renomado psiquiatra suíço, manteve a tese dominante da psique humana é o senso de segurança. Isto é, a pessoa anseia por aquela situação de estabilidade que a ponha a cavaleiro das mutáveis contingências do torvelinho da vida, aspira à condição de equilíbrio em que não fique à mercê dos caprichosos imprevistos da existência, anela pela posição sólida em que não a levem de roldão as múltiplas circunstâncias desfavoráveis do viver.

Karen Horney, a prestigiada psicóloga tão conhecida no nosso meio, destaca o tremendo impacto do senso de instabilidade como fator capital da mentalidade neurótica do nosso tempo.

Jean Ladrière, há não muito, ressaltava, o que é lugar-comum, que o fenómeno mais característico da era contemporânea são as rápidas transformações por que passam a sociedade e as suas instituições.

A realidade é que reina, nos nossos dias, em todos os quadrantes da civilização e em todas as esferas da ação humana, incontido processo de alteração, mudança em ritmo de tal modo acelerado que não parece a maioria em condições de acompanhar-lhe satisfatoriamente o momento. Quase que se pode, respeitada a diferença de contexto e ignorada a explícita esfera de referência, aplicar à situação presente o refrão ontológico de Heráclito, o famoso filósofo jónico do século V antes de Cristo, cuja tese encontraria cerrada oposição dos Eleatas, imutabilistas, burilado nestas palavras — "PANTA, RHEI, OUDÉN MÉNEI", que podemos traduzir, livremente, como: "TUDO ESTÁ EM MUDANÇA NADA PERMANECE FIXO".

E, quando nos voltamos para os aspectos éticos e espirituais, a síntese parece melhor expressar-se no verso do hinólogo: "Mudança vejo em tudo e corrupção". Mudança, e mudança constante, mudança incessante, interminável, sem parar.

Desse estado de coisas resulta, naturalmente, a imprevisibilidade dos eventos, que dá lugar à incerteza do futuro, de que se faz corolário a insegurança do espírito não assistido pelas forças da confiança própria e da fé na racionalidade do governo do cosmos. Isto posto, salta à vista que somente aquele que crê piamente na Divina Providência, isto é, que Deus preside a todo o processo histórico e nada Lhe escapa ao alcance da sabedoria e do poder, a tudo dirigindo segundo os desígnios de Sua vontade excelsa, pode escapar ao tormento da insegurança.

Ao contrário, firmado na certeza da fé e confiado na benevolência da graça, pois que Deus é um Pai de amor e não aflige desnecessariamente aos filhos, cujo bem procura sempre, pode cantar, impávido e constante, com essa figura insigne da obra protestante, Sarah Foulton Kalley:

"As tuas mãos dirigem o meu destino; O acaso, para mim, não haverá!"

O fato doloroso, porém, é que a maioria das criaturas humanas falta o condão da crença dinâmica em Deus, a comunhão-viva com Cristo, a presença real do Espírito Santo, desarvoradas individualidades a vegetar ou a debater-se "sem fé nem Deus no mundo", enquanto não poucos na observação do apóstolo Paulo na primeira das suas epístolas ao jovem pastor Timóteo, discípulo predileto, no capítulo primeiro, versículo dezenove, "tendo dado de mão (a boa consciência) sofreram naufrágio no que respeita à fé".

Quantos não são aqueles que, abalados no árduo embate das contingências humanas, acabam por perdera fé e errar a esmo no oceano agitado da vida como barco à deriva, açoitado pelos ventos e sacudido pelas ondas até dar nos recifes do desespero ou encalhar nos baixios da indiferença, quando não soçobrar no pélago da incredulidade!

Esta se afigura a condição dos crentes a quem é dirigida a Epístola aos Hebreus, o décimo - nono dos livros que constituem o Novo Testamento, no ver de Adolf Deissmann, o ilustre exegeta germânico do começo do século passado, o mais esmerado dos escritos que merecem o título literário de epístola e não mera carta. Não se pode estabelecer com certeza quem a escreveu, nem se sabe ao certo quem os destinatários.

Parece mais provável ter sido enviada de Roma a uma comunidade de crentes constituída de judeus convertidos, que, entretanto, pareciam inclinados a apostatar da fé, repudiar o Evangelho e retornar às práticas do judaísmo. Amargas experiências e desapontamentos sérios os desiludiram das esperanças da fé em Cristo. O gládio da perseguição era-lhes demasiado agudo para suportar e não lhes residia no coração suficiente heroicidade para enfrentar a dura provação.

O Cristianismo que haviam abraçado com fervor e expectativa as mais embaladoras não era o porto seguro ao abrigo das procelas e tormentas, nem o oásis verdejante a acenar ao fatigado viajor da terrena jornada com promessas de placidez e descanso. Ao contrário, penosa lhes passara a ser a caminhada no mundo desde que abraçaram a fé cristã. Era-lhes bem mais suave o viver no velho regime da lei, na tradição dos ancestrais, no aconchego dos patrícios, na solidariedade dos correligionários.

Agora, porém, eram insignificante minoria, mal vista pelas autoridades seculares do Império Romano, a formar núcleos flutuantes sem raízes históricas profundas e sem cobertura suficiente de figuras de projeção, sob a mira minaz e inclemente dos judeus, cuja intransigência era proverbial e cujo ressentimento para com a novel seita era tenso. Era uma situação difícil, plena de sobressaltos, de futuro incerto e riscos graves, uma como que aventura quixotesca embalada por esperanças discutíveis.

Pagaria a pena persistir em tão esdrúxulo movimento? Não seria mais prudente e sensato retornar à fé judaica, de tão admirável passado e de futuro tão abençoado, esperar o real Messias que haveria ainda de vir e a tudo dispor em rumos de absoluta paz e glória, como o braço do Senhor a operar Omnipotente?

É a crentes minados pela dúvida, esbatidos pela perseguição, a fé a claudicar, a esperança a fenecer, a visão a toldar-se pelas terrenas vantagens e preocupações, que o autor endereça essa Epístola monumental. Com magistral perícia demonstra o coroamento de toda revelação divina em Jesus Cristo, que é a perfeita expressão de tudo quanto a Lei e os Profetas haviam prenunciado, n´Ele, Jesus Cristo, provada a Sua manifesta superioridade a todos os tipos, ritos e instituições da antiga dispensação, residindo a plenitude da divina autoridade, evidenciadas, pois, a Sua messianidade e divindade.

Jesus Cristo era, de fato, o Messias das esperanças de Israel, a despeito de atrozes contingências por que passavam e das tremendas dificuldades que experimentavam. O Messias glorioso não implantou um reino de amenidades edénicas e delícias paradisíacas.

Trilhara a senda amarga da injustiça e do sofrimento e findara no suplício infamante da cruz. Mas, era Ele o Redentor Que de Deus adviera, o Salvador Que lhes assegurara a bem-aventurada condição de justos diante do Senhor, o Filho a revestir-se de toda a grandeza e majestade dos Céus. Daí, num epílogo memorável, como que a sintetizar a tese fundamental da maravilhosa peça num estribilho doxológico, a essência destilada de tudo quanto procurara demonstrar nos capítulos anteriores, hino, dia o autor arrebatado: "JESUS CRISTO ONTEM E HOJE É O MESMO E O SERÁ PARA SEMPRE!" (Hebreus. 13:8).

Ponderemos, por breves instantes, o sentido dessa tríplice dimensão em que o autor projeta a ação de Jesus Cristo, sem mudança nem sombra de variação.

1 – JESUS, O MESMO NO PASSADO
A esses judeus os arautos do Evangelho trouxeram a mensagem da cruz. Ouviram, extasiados, as Boas Novas da redenção de Israel. Vieram a saber, com particular júbilo, como Deus, o glorioso Senhor dos Patriarcas, dos Reis e dos Profetas, Aquele que do Egito fizera sair os perseguidos hebreus e os constituirá o Seu povo especial, enviara, na pessoa de Jesus da Galileia, o Messias esperado.

E, perplexos e maravilhados, acolheram toda a extraordinária estória de Jesus, assinalada de lances estupendos e de inequívocas demonstrações do divino poder, desde o nascimento cercado de manifestações sobre-humanas até a ascensão, coroamento apoteótico da carreira do Filho de Deus.

Como lhes soara gloriosa a proclamação apostólica a apregoar a vida sem igual do Galileu humilde, esteira de bênçãos e inspiração sublime, os ensinos magníficos tais como nenhum outro rabino os poderia apresentar, inesquecíveis na forma, incomparáveis no conteúdo, os milagres soberbos, repassados de tocante compaixão e profunda humanidade para com o sofredor desvalido, o equilíbrio de espírito e a serenidade do juízo a apontar as distorções da verdade de Deus e os lamentáveis desvios do caminho da fé, aliados ao zelo pelas coisas do Senhor e à estrita fidelidade ao ensino das Escrituras, o drama patético do Getsémani ao Calvário, na mais nefanda tragédia de todos os tempos, a culminar, porém, na radiosa manhã da ressurreição, a vitória de Cristo, o maior evento da história!

E, daí, os fatos se sucederam em febricitante crescendo.

Durante quarenta dias apareceu Jesus aos apóstolos e discípulos, em grande número, nas mais variadas circunstâncias, em irrefutável evidenciação da realidade do Seu triunfo sobre a morte, vencido o pecado e implantado o Reino de Deus, coroados pela Ascensão aos céus, marca de quem consumara a obra a que viera como o enviado do Pai.

Jamais ouviram esses hebreus história semelhante. Nunca um vulto como Jesus lhes surgira no cenário da história. Era tudo uma visão maravilhosa, acima da humana projeção, própria da ação de Deus. E, o mais admirável, de tal ordem que cada coisa caía no devido lugar, as promessas proféticas, a cumprir-se em moldes estupefacientes, os símbolos e rituais a encontrar a justa realização, a história de Israel a atingir sua plena consumação, a operação sobrenatural do Senhor, manifesta em tantos lances da vida do povo escolhido, agora a atuar como nunca!

Jesus Cristo era a expressão viva da ação de Deus, o centro de toda a Escritura, o expoente máximo do povo eleito, o Messias real, o Redentor glorioso, o Senhor confirmado dos crentes, da Igreja nascente, do Reino advindo.

Com que efusão de alma em hosanas e aleluias, judeus que aguardavam a esperança de Israel, receberam essa estória, a mais sublime das estórias, e reconheceram a soberania de Cristo, o rei dos reis! Esse era o Jesus do passado.

2 – JESUS, O MESMO NO PRESENTE
Se extraordinária era toda a estória da vida, da carreira, da obra, da morte e da ressurreição de Jesus Cristo, não menos o era a cadeia de acontecimentos que se sucederam desde o Pentecoste. Jesus não era simples vulto do passado, era figura ativa no presente!

Naquele dia inolvidável de maio, na cidade santa, a Jerusalém dos fastos de Israel, o Espírito Santo de Deus Se derramara de modo portentoso, enchendo de poder aos antes timoratos apóstolos, dando-lhes a expressão da eloquência para proclamar o Evangelho, a estória da redenção em Cristo, de forma irresistível e peregrina, capacitando-os a fazer frente aos adversários e aos múltiplos óbices com que se defrontariam na rota da evangelização.

Nesse dia memorável assumira feição concreta a Igreja como a comunidade dos seguidores de Cristo, o novo Israel, a nação santa, o povo eleito. E, a partir de então, a obra de Cristo, pela poderosa atuação de Seu Espírito, avançara por toda a Palestina, pelos territórios vizinhos, além fronteiras, até os remotos rincões de outros continentes!

Mas, desde os primórdios, as barreiras que se erguiam ao avanço da fé cristã eram consideráveis e a perseguição uma constante. Ser discípulo de Cristo era expor-se ao vilipêndio e arrostar com insopitável oposição que ia desde o desprezo passivo até a fúria virulenta. Mormente os judeus rigoristas, apegados à Lei Mosaica, exerciam contra os discípulos do Crucificado renitente pressão. Seguir a Cristo, aceitá-lo como Salvador e Senhor, pertencer-Lhe à comunidade dos fiéis exigia alto preço e acarretava tremendas desvantagens.

Contudo, os verdadeiros crentes, firmes na esperança de Israel, não cediam, expondo-se a sofrimentos atrozes, não fugindo ao sacrifício da própria vida, com que selavam a fidelidade ao Senhor. Não se abalava o crente fiel porque tinha no próprio Jesus Cristo o mais flagrante exemplo desse fato paradoxal: o Filho de Deus, a amar infinitamente a criatura perdida, entretanto, buscando-a redimir dos laços da perdição, a expiras, como criminoso justiçado, na cruz da infamação.

Aliás, aos discípulos fizera ver, continuamente, que não seria outro o destino que teriam de ter: reservava-se-lhes farta messe de perseguições e sofrimentos. Era isto que agora assumia proporções tão alarmantes a esses crentes. Sentiam o peso da oposição, a angústia da animosidade, o látego da perseguição, e a fé lhes fraquejava, e a fidelidade ameaçava capitular.

É a tais crentes, nessa hora crucial, que o autor envia essa mensagem primorosa: Jesus Cristo não mudara. Era tão poderoso agora como o fora no passado. A adversidade não assinalava fraqueza de Jesus, era crisol para refinar o verdadeiro fiel, testemunha de Cristo em qualquer situação, mesmo que isso lhe requeresse derramar o próprio sangue. Cristo era o mesmo agora como no passado, não mudara; eles é que estavam a mudar!

3 - JESUS, O MESMO NO FUTURO
Jamais se lhes contara, a esses crentes judeus, estória tão extraordinária como a de Jesus, nem nunca lhes pareceu Deus, o Senhor, tão perto de cada ente humano como em Cristo, o Messias e Salvador, como se sentiram felizes naquele dia em que aceitaram a proclamação apostólica, fruíram comunhão com Jesus Cristo e lhes renovou o ser o Santo Espírito. A vida se lhes transmutou. Tudo era agora gozo e felicidade. Deus ouvira as preces do povo, o Messias viera e o Reino prometido se implantara!

Afinal, a esperança de Israel se realizara!' É verdade que a sonhada glória de esplendor terreno e domínio universal ainda estava por acontecer. Os eventos da Paixão era desconcertante série de incompreensíveis reveses e estranhas derrotas. Mas, Ele ascendera aos céus e prometera voltar em breve. Era apenas questão de paciente espera e, dentro em pouco, vencidos os derradeiros embaraços, voltaria Jesus cercado de milícias celestiais, assistido de seus anjos, vitorioso e triunfante, para por termo à presente ordem de coisas e estabelecer o reino eterno da justiça e da paz. Então, seria tudo diferente!

Correm os anos e a situação não se altera. A igreja se revela tão frágil como qualquer sociedade humana. Sérias falhas e vícios deploráveis se manifestam no âmbito da fraternidade cristã. Questões pessoais e divergências teológicas separam os irmãos. A morte ceifa não poucos, anciãos vividos e jovens que apenas desabrocham para a vida.

E as adversidades de toda espécie parecem avultar cada vez mais frementes. E nem mesmo ante a ameaça dos inimigos e a perseguição dos adversários ferrenhos se interpõe o braço protetor de Cristo! A Sua anunciada vinda demora-se além do razoável e nem sinais se percebem da proximidade desse esperado evento.

A esperança se lhes faz cada dia menos virente e a dúvida lhes cresce no espírito com vigor renovado. Alfim, bracejam nas bordas da apostasia, ralados de incertezas e cansados de esperar. A tais almas desarvoradas o autor envia a mensagem vívida desta momentosa epístola.

Não, Jesus Cristo Se comprovou o Filho de Deus, Messias e Salvador, irrefutavelmente. A Igreja marcha, sob Sua segura diretriz, na fidelidade que lhe deve ser apanágio. O futuro será tão certo quanto o passado e o presente.

Jesus Cristo não mudou. Triunfou no passado, triunfa no presente, triunfará no porvir. Seu poder é o mesmo de antes e o será por todo o tempo até a consumação final. Em Cristo Jesus não há mudança nem sombra de variação. É sempre o mesmo. Como foi nos primórdios, é ainda hoje, e o será por todo o sempre.

Se viviam esses crentes, como todo discípulo de Cristo, pela fé e na fé, não havia duvidar, nem desesperar-se. Jesus está à frente de Seu povo, tão presente como nos dias dos apóstolos, nada há que temer. Daí, após considerações tão inspiradoras e lúcidas, apela-lhes o autor, como a todos nós, no capítulo doze, versículo um e dois: "À vista de tanto, pois, ...com inabalável constância, corramos nós a carreira que se nos defronta, os olhos postos no autor e consumador da fé, Jesus".

Sim, "Jesus; ontem, e hoje, é o mesmo, e o será para sempre!"

Ouvinte amigo, como está a sua fé? Está você firme? Invade-lhe o espírito a dúvida ou a incerteza? Acha difícil crer? Abatem-lhe a alma as dificuldades e adversidades múltiplas da vida? Não lhe parece fundada a esperança do futuro? Ouça, com aberto coração, ao que lhe diz o autor de Hebreus: "Jesus Cristo ontem e hoje é o mesmo e o será para sempre".

Creia em Cristo, espere em Cristo, viva em Cristo e sairá mais do que vencedor em todos os embates do viver. Amém.

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