domingo, 9 de junho de 2013

Cidadão do Mundo e do Reino

Introdução
O drama do dia 11 de setembro de 2001 foi o epicentro de um sismo cujas ondas de choque continuam a fazer sentir os seus efeitos mesmo nos nossos países: a qualidade de vida já não é a mesma, o mundo do trabalho está afetado e as perspetivas de futuro são muito incertas. E nós sentimos, intuitivamente, mais do que nunca, que nunca mais retornaremos à situação inicial, àquela antes do dia em que tudo ruiu e onde nós entrámos numa nova era.
É igualmente necessário constatar que a questão de “vivermos juntos” se tornou problemática. “O outro” e, especialmente, o estrangeiro, é agora um perigo potencial para o nosso trabalho e para a nossa reforma, para o nosso alojamento, para a nossa cultura e para aquilo que nos ocupa hoje: a nossa religião.
Portanto, lenta mas certamente, ajudados pelos discursos populistas, a rejeição, o egoísmo, a cólera estão a tentar destruir aquilo que constitui os valores fundamentais das nossas democracias: a tolerância, a solidariedade, a igualdade, o respeito, etc..
Por outro lado, como é que os cristãos, e mais precisamente os Adventistas do Sétimo Dia – ou seja, as pessoas que esperam entrar definitivamente no Reino de Deus – devem viver num mundo de tantas mudanças e tão incerto? Como discípulos de Jesus, devem ainda permanecer coerentes com a sua fé, a fé em que o reino já existe e opera neste mundo? (Luc. 17:21)
1.      A Igualdade
Para podermos responder a estas perguntas, nada fáceis, necessitamos, mais uma vez, de nos voltar para a Palavra de Deus, para aí descobrirmos, imediatamente, a afirmação sobre a igualdade entre todos os seres humanos.
“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme à nossa semelhança. […] E criou Deus o homem à Sua imagem: à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou” (Gén. 1:26 e 27).
Eles são macho e fêmea, homem e mulher, Adão e Eva. Representam os dois a semente da humanidade, tal como ela chegou até aos nossos dias.
Considerando este facto, todos os humanos são absoluta, perfeita e fundamentalmente iguais em direitos e em dignidade. São dotados de razão e de consciência. São todos membros da fraternidade humana, porque foram todos criados por Deus e Ele ama-os profundamente. Quaisquer que sejam as suas escolhas, a sua cultura, mas também a sua religião, Deus ama-os todos!
Consequentemente, o egoísmo, a rejeição do outro, a negação daquilo que constitui a identidade do homem são atitudes contranatura. Por que razão aberrante podem os crentes definir-se coletivamente por oposição a um grupo, ou a um indivíduo? Sejamos claros a este respeito: não se trata de aceitar inconsideradamente ideias, doutrinas ou outros comportamentos que seriam repreensíveis. A aceitação da qual falamos aqui diz respeito aos indivíduos.
É importante distinguir entre os indivíduos e os seus comportamentos ou as suas crenças. Os indivíduos são nossos irmãos e irmãs em humanidade. No que diz respeito a alguns dos seus comportamentos, se não são compatíveis com o bem comum, devem ser combatidos. Pensamos aqui no fundamentalismo de toda a espécie, que conduz a propósitos e a atos inaceitáveis.
Mas devemos ter sempre presente na nossa mente que cada ser humano, mesmo o mais desagradável, deve desfrutar dos mesmos direitos que nós.
2.      A Liberdade
A liberdade é um dom precioso que Deus concedeu ao homem no momento da sua criação, e que se exerce, mais especificamente, na pesquisa que nos interessa: a liberdade religiosa, esse direito à livre procura de Deus, seja qual for o nome que damos a esse deus.
Assim, ninguém, quer tenha ou não encontrado Deus, quer O tenha ou não rejeitado ou que venere um deus diferente do nosso, deverá ser submisso a qualquer forma de coerção ou de menosprezo. Quando nos aventuramos no domínio da liberdade religiosa, quer a discriminação, quer o menosprezo devem ser excluídos.
Um versículo do Alcorão afirma: “Porém, se teu Senhor tivesse querido, aqueles que estão na terra teriam acreditado unanimemente. Poderias (ó Muhammad) compelir os humanos a que fossem fiéis?” (Yunus, 10.99)
Mas aquilo que nos interessa, prioritariamente, sobre este assunto, é a posição de Jesus.
Marcos 9:38-41: Neste episódio, os discípulos impedem um homem de curar em nome de Jesus, porque ele não os segue. Ou seja, ele não faz parte do grupo (da Igreja) de Jesus. Não pode, portanto, fazer nada de aceitável.
No entanto, a resposta de Cristo é um exemplo de respeito pela crença deste homem. “Não lho proibais…”. Pode existir algo de bom noutra “religião”.
E para responder à nossa pergunta inicial – sabermos como, enquanto cristãos, deveríamos posicionar-nos neste mundo que mudou profundamente e gerou tantas preocupações – diremos que devemos viver de uma maneira tão cristã quanto possível: afirmando claramente as nossas convicções, sabendo reivindicar as nossas decisões, respeitando, ao mesmo tempo, a liberdade dos outros. E não esquecendo nunca que só Deus decide quem são aqueles que farão parte do Seu Reino.
“Senhor, Senhor! […] e em Teu nome não fizemos muitas maravilhas?”, “Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.” (Mat. 7:22 e 23). Mas também: “Vinde, benditos do Meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado” (Mat. 25:34). “Senhor, quando foi que te vimos […]?” (v. 37). “Quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a Mim o fizestes” (v. 40).
Compaixão misteriosa de Deus, tão incompreensível para nós!
3.      O Homem, Imagem de Deus
A glória de Deus é o ser humano!
“Que é o homem mortal, para que te lembres dele? […] Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste” (Sal. 8:4-10).
Se o homem foi feito “à imagem e semelhança de Deus”, se ele é, como diz Santo Agostinho, “a face humana de Deus”, isso significa que qualquer forma de menosprezo para com o outro é uma blasfémia.
Não podemos, portanto, respeitar Deus, orar, adorá-l'O e, ao mesmo tempo, menosprezar o nosso próximo. É o que Jesus recorda frequentemente aos fariseus, por vezes secamente: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!” (Mat. 23:23)
Conclusão
Vamos concluir o nosso estudo com uma última observação, sem a qual a nossa reflexão estaria incompleta e poderia indicar que, com uma tal visão do homem, a porta está aberta a todos os riscos, para não dizer a todos os perigos.
Contudo, não é um laxismo beato e ingénuo que quisemos evidenciar ao enunciarmos estes princípios grandes e nobres, o que teria criado um mal-entendido.
É evidente que a igualdade, a liberdade concedida ao outro e o respeito que lhe é devido não inclui em todos os seus comportamentos, os seus erros ocasionais ou os seus falsos alibis. Só dizem respeito à sua pessoa, como já foi dito anteriormente, e é bom relembrar.
Em todos os textos da lei – nacionais ou internacionais – os direitos do indivíduo são limitados por um artigo que declara, no essencial, e tomaremos como exemplo o artigo 18, ponto 3, do Pacto Internacional relativo aos direitos civis e políticos a respeito da lei religiosa: “A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas crenças só pode ser objeto de restrições que, estando previstas na lei, sejam necessárias para a proteção da segurança, da ordem, da saúde e da moral públicas, ou para a proteção dos direitos e liberdades fundamentais de outrem.”
E o que diz a Palavra de Deus?
“Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores […]” (Rom. 13:1-7).
Todos são iguais. Todos são livres. Todos merecem o nosso respeito, mas dentro do quadro previsto pelas leis e cujos limites são definidos pela minha liberdade pessoal e pela Palavra de Deus.
Acreditar que Deus liberta, não é somente contemplar uma certeza, é caminhar em direção ao libertador.
Para os cristãos, como nós, e que se questionam, viver os direitos do homem, ao mesmo tempo que vivemos a nossa fé, é o sinal do Reino que virá nesse mundo novo.
E é deste modo que somos convidados a viver, porque é isso que Jesus nos pede: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas” (Mat. 7:12).

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