Introdução
O drama do dia 11 de setembro de 2001 foi o epicentro de um
sismo cujas ondas de choque continuam a fazer sentir os seus efeitos mesmo nos nossos
países: a qualidade de vida já não é a mesma, o mundo do trabalho está afetado
e as perspetivas de futuro são muito incertas. E nós sentimos, intuitivamente,
mais do que nunca, que nunca mais retornaremos à situação inicial, àquela antes
do dia em que tudo ruiu e onde nós entrámos numa nova era.
É igualmente necessário constatar que a questão de “vivermos
juntos” se tornou problemática. “O outro” e, especialmente, o estrangeiro, é
agora um perigo potencial para o nosso trabalho e para a nossa reforma, para o
nosso alojamento, para a nossa cultura e para aquilo que nos ocupa hoje: a
nossa religião.
Portanto, lenta mas certamente, ajudados pelos discursos
populistas, a rejeição, o egoísmo, a cólera estão a tentar destruir aquilo que
constitui os valores fundamentais das nossas democracias: a tolerância, a
solidariedade, a igualdade, o respeito, etc..
Por outro lado, como é que os cristãos, e mais precisamente
os Adventistas do Sétimo Dia – ou seja, as pessoas que esperam entrar
definitivamente no Reino de Deus – devem viver num mundo de tantas mudanças e
tão incerto? Como discípulos de Jesus, devem ainda permanecer coerentes com a
sua fé, a fé em que o reino já existe e opera neste mundo? (Luc. 17:21)
1.
A Igualdade
Para podermos responder a estas perguntas, nada fáceis,
necessitamos, mais uma vez, de nos voltar para a Palavra de Deus, para aí
descobrirmos, imediatamente, a afirmação sobre a igualdade entre todos
os seres humanos.
“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme à
nossa semelhança. […] E criou Deus o homem à Sua imagem: à imagem de Deus o
criou; macho e fêmea os criou” (Gén. 1:26 e 27).
Eles são macho e fêmea, homem e mulher, Adão e Eva.
Representam os dois a semente da humanidade, tal como ela chegou até aos nossos
dias.
Considerando este facto, todos os humanos são absoluta,
perfeita e fundamentalmente iguais em direitos e em dignidade. São dotados de
razão e de consciência. São todos membros da fraternidade humana, porque foram
todos criados por Deus e Ele ama-os profundamente. Quaisquer que sejam as suas
escolhas, a sua cultura, mas também a sua religião, Deus ama-os todos!
Consequentemente, o egoísmo, a rejeição do outro, a negação
daquilo que constitui a identidade do homem são atitudes contranatura. Por que
razão aberrante podem os crentes definir-se coletivamente por oposição a um
grupo, ou a um indivíduo? Sejamos claros a este respeito: não se trata de
aceitar inconsideradamente ideias, doutrinas ou outros comportamentos que
seriam repreensíveis. A aceitação da qual falamos aqui diz respeito aos
indivíduos.
É importante distinguir entre os indivíduos e os seus
comportamentos ou as suas crenças. Os indivíduos são nossos irmãos e irmãs em
humanidade. No que diz respeito a alguns dos seus comportamentos, se não são
compatíveis com o bem comum, devem ser combatidos. Pensamos aqui no
fundamentalismo de toda a espécie, que conduz a propósitos e a atos
inaceitáveis.
Mas devemos ter sempre presente na nossa mente que cada ser
humano, mesmo o mais desagradável, deve desfrutar dos mesmos direitos que nós.
2.
A Liberdade
A liberdade é um dom precioso que Deus concedeu ao homem no
momento da sua criação, e que se exerce, mais especificamente, na pesquisa que
nos interessa: a liberdade religiosa, esse direito à livre procura de Deus,
seja qual for o nome que damos a esse deus.
Assim, ninguém, quer tenha ou não encontrado Deus, quer O
tenha ou não rejeitado ou que venere um deus diferente do nosso, deverá ser
submisso a qualquer forma de coerção ou de menosprezo. Quando nos aventuramos
no domínio da liberdade religiosa, quer a discriminação, quer o menosprezo
devem ser excluídos.
Um versículo do Alcorão afirma: “Porém, se teu Senhor
tivesse querido, aqueles que estão na terra teriam acreditado unanimemente.
Poderias (ó Muhammad) compelir os humanos a que fossem fiéis?” (Yunus, 10.99)
Mas aquilo que nos interessa, prioritariamente, sobre este
assunto, é a posição de Jesus.
Marcos 9:38-41: Neste episódio, os discípulos impedem
um homem de curar em nome de Jesus, porque ele não os segue. Ou seja, ele não
faz parte do grupo (da Igreja) de Jesus. Não pode, portanto, fazer nada de
aceitável.
No entanto, a resposta de Cristo é um exemplo de respeito
pela crença deste homem. “Não lho proibais…”. Pode existir algo de bom noutra
“religião”.
E para responder à nossa pergunta inicial – sabermos como,
enquanto cristãos, deveríamos posicionar-nos neste mundo que mudou
profundamente e gerou tantas preocupações – diremos que devemos viver de uma
maneira tão cristã quanto possível: afirmando claramente as nossas convicções,
sabendo reivindicar as nossas decisões, respeitando, ao mesmo tempo, a
liberdade dos outros. E não esquecendo nunca que só Deus decide quem são
aqueles que farão parte do Seu Reino.
“Senhor, Senhor! […] e em Teu nome não fizemos muitas
maravilhas?”, “Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a
iniquidade.” (Mat. 7:22 e 23). Mas também: “Vinde, benditos do Meu Pai, possuí
por herança o reino que vos está preparado” (Mat. 25:34). “Senhor, quando foi
que te vimos […]?” (v. 37). “Quando o fizestes a um destes meus pequeninos
irmãos, a Mim o fizestes” (v. 40).
Compaixão misteriosa de Deus, tão incompreensível para nós!
3.
O Homem, Imagem de Deus
A glória de Deus é o ser humano!
“Que é o homem mortal, para que te lembres dele? […]
Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o
coroaste” (Sal. 8:4-10).
Se o homem foi feito “à imagem e semelhança de Deus”, se ele
é, como diz Santo Agostinho, “a face humana de Deus”, isso significa que
qualquer forma de menosprezo para com o outro é uma blasfémia.
Não podemos, portanto, respeitar Deus, orar, adorá-l'O e, ao
mesmo tempo, menosprezar o nosso próximo. É o que Jesus recorda frequentemente
aos fariseus, por vezes secamente: “Ai de vós, escribas e fariseus,
hipócritas!” (Mat. 23:23)
Conclusão
Vamos concluir o nosso estudo com uma última observação, sem
a qual a nossa reflexão estaria incompleta e poderia indicar que, com uma tal
visão do homem, a porta está aberta a todos os riscos, para não dizer a todos
os perigos.
Contudo, não é um laxismo beato e ingénuo que quisemos
evidenciar ao enunciarmos estes princípios grandes e nobres, o que teria criado
um mal-entendido.
É evidente que a igualdade, a liberdade concedida ao outro e
o respeito que lhe é devido não inclui em todos os seus comportamentos, os seus
erros ocasionais ou os seus falsos alibis. Só dizem respeito à sua pessoa, como
já foi dito anteriormente, e é bom relembrar.
Em todos os textos da lei – nacionais ou internacionais – os
direitos do indivíduo são limitados por um artigo que declara, no essencial, e
tomaremos como exemplo o artigo 18, ponto 3, do Pacto Internacional relativo
aos direitos civis e políticos a respeito da lei religiosa: “A liberdade de
manifestar a sua religião ou as suas crenças só pode ser objeto de restrições
que, estando previstas na lei, sejam necessárias para a proteção da segurança,
da ordem, da saúde e da moral públicas, ou para a proteção dos direitos e
liberdades fundamentais de outrem.”
E o que diz a Palavra de Deus?
“Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores […]”
(Rom. 13:1-7).
Todos são iguais. Todos são livres. Todos merecem o nosso
respeito, mas dentro do quadro previsto pelas leis e cujos limites são
definidos pela minha liberdade pessoal e pela Palavra de Deus.
Acreditar que Deus liberta, não é somente contemplar uma
certeza, é caminhar em direção ao libertador.
Para os cristãos, como nós, e que se questionam, viver os
direitos do homem, ao mesmo tempo que vivemos a nossa fé, é o sinal do Reino
que virá nesse mundo novo.
E é deste modo que somos convidados a viver, porque é isso
que Jesus nos pede: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam,
fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas” (Mat. 7:12).
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