Se alguém é justificado
e, no seu registo no Céu, se lê “justo, como se nunca tivesse pecado”, poderia
parecer estranho querer acrescentar alguma coisa a esta espécie de registo.
Expressar este tipo de pensamento é revelar o facto de que ainda continua a
pensar em termos legais. Ainda há um desejo de fazer alguma coisa para
sentirmos que isto é real. O maior objectivo para alguém que foi justificado é,
pela fé, conservar essa imerecida posição que Deus, no Seu amor, nos deu como
um dom gratuito. Contudo, no momento em que somos justificados somos também
santificados. Estas duas condições são alcançadas somente pela fé. A
justificação lida com os nossos registos no Céu. Ela muda o conteúdo desses registos,
de um criminoso condenado para os de um homem livre, com registos perfeitos,
incluindo a sua vida passada.
A santificação é o plano
celestial através do qual um criminoso liberto (agora um membro da família de
Deus) pode agradecer continuamente a Deus pelo dom indescritível da
justificação feito a um indigno miserável. Como é que ele pode fazer isso?
Permitindo, diariamente, que Deus opere nele segundo o Seu querer e boa
vontade. Filipenses 2:13.
O nosso papel é permitir
que Deus trabalhe na nossa vida, reabituando-nos a dizer continuamente sim,
cada vez que Jesus disser: “Este é o caminho, andai por ele”. O que o Céu
requer dos que lá hão-de entrar é total confiança em Jesus, sem duvidar, sem
adiamentos, ou mesmo sem perguntar porquê ou como. A nossa resposta à
orientação de Deus deve ser tão natural como o movimento de uma flor que se
vira para o sol.
Obviamente, não devem
subsistir dúvidas ao longo do caminho acerca da nossa justificação (justiça
imputada) ou da nossa santificação (justiça comunicada). É através da
justificação que a obediência nos é creditada, agora e para o futuro.
“Através da Sua justiça
imputada, são aceites por Deus como os que estão a manifestar ao mundo que
reconhecem a aliança com Deus, guardando todos os Seus mandamentos.” (CNJ, pág. 133.)
“Deveríamos estudar a
vida do nosso Redentor, pois Ele é o único exemplo perfeito para os homens.
Deveríamos contemplar o infinito sacrifício do Calvário, e ver a tremenda
malignidade do pecado e a justiça da lei. Sairão, de um cuidadoso estudo do
tema da redenção, fortalecidos e enobrecidos. A vossa compreensão do carácter
de Deus será aprofundada; e com o plano da salvação claramente definido na
vossa mente, estareis melhor habilitados para cumprir a vossa comissão divina.
Com um sentimento de plena convicção poderão, então, testificar aos homens do
imutável carácter da lei, manifestado pela morte de Cristo sobre a cruz, da
maligna natureza do pecado e da justiça de Deus ao justificar o crente em Jesus
sob a condição da sua futura obediência aos estatutos do governo de Deus, no
Céu e na Terra.” (Idem, pág. 46.)
“A religião pessoal entre
nós, como um povo, está em declínio. Há muita forma, muita maquinaria, muita
religião de língua; mas algo de mais profundo e mais sólido deve ser introduzido
na nossa experiência religiosa… Temos necessidade de conhecer Deus e o poder do
Seu amor, revelado em Cristo, através de conhecimento experimental… Por meio
dos méritos de Cristo, através da Sua justiça que, pela fé, nos é imputada,
cumpre-nos atingir a perfeição do carácter cristão.” (Idem, pág. 107, 108.)
A perfeição também vem
através da justificação. É através da santificação que essa posição é mantida.
Essa será a nossa condição, não só até à volta de Cristo, mas por toda a
eternidade. Será a nossa feliz tarefa expressar a todo o Universo o nosso
apreço pelo inexprimível dom de Cristo em nosso favor.
A salvação depende da
justificação como um dom gratuito de Deus. A nossa atitude em relação a essa
dádiva é expressa pela forma como nos relacionamos com a santificação, e pela
nossa disponibilidade para permitirmos que Jesus remodele os nossos caracteres,
de maneira a que reflictam o Seu. Esse é o trabalho de Jesus, não importa os
métodos que Ele utilize para alcançar o Seu objectivo. A nossa parte consiste
em submetermo-nos a Ele.
Será a santificação a
prova da justificação? Em João 15:5, Jesus diz: “…quem está em mim e eu nele,
esse dá muito fruto.” O fruto do Espírito deve ser visto em todos aqueles que
estão verdadeiramente justificados. Gálatas 5:22, 23. O crente apenas tem de se
manter nessa relação (posição) com Cristo e Ele produzirá o fruto. Cristo é a
Videira; o crente é o ramo. A nossa posição como membros da família de
Deus é o motivo da nossa alegria. Devemos recusar demorar-nos numa forma condicional
de pensar. Quando somos enxertados na Videira, tornamo-nos parte d’Ele. A
justificação será sempre necessária. O carácter de Cristo é a única cobertura
que pode satisfazer completamente todos os requisitos da perfeita lei de Deus;
por isso, deve ser conservado.
“O inimigo de Deus e do
homem não deseja que esta verdade [justificação pela fé] seja exposta de forma
clara; pois sabe que se o povo a aceitar na sua totalidade, o seu poder será
quebrado. Se ele conseguir controlar as mentes a ponto de a dúvida, a descrença
e a escuridão fazerem parte da experiência daqueles que se intitulam filhos de
Deus, poderá vencê-los com a tentação.” (Idem, pág. 69.)
“Eu vos dou poder para
pisar serpentes e escorpiões, e toda a força do inimigo …” Lucas 10:19.
Obviamente, os cristãos,
em geral, não têm um conhecimento experimental de que podem viver livres do
poder de Satanás. Isto não implica viver livre das suas tentações. As
tentações, juntamente com o pecado, perderam o seu poder. E estas são boas
novas para todos nós.
O pecado tem uma
influência poderosa sobre a família humana. É atractivo para a natureza
pecadora. Ele oferece prazer por um momento. Sendo proibido, é excitante.
Fomenta o espírito de independência. É um mau uso da capacidade de escolha ou
do poder da vontade. Tudo isto será resolvido no cristão verdadeiramente
nascido de novo, à medida que ele caminha com o seu Senhor em justiça.
Há outro aspecto, muito
mais subtil, do poder do pecado que devemos considerar: “…a força do pecado é a
lei.” I Coríntios 15:56. A palavra grega dunamis (capacidade) é aqui
traduzida como força. É mais frequentemente traduzida como poder. A nossa
palavra “dinamite” tem a mesma raiz. A capacidade da dinamite está no seu poder
explosivo. Se a “força do pecado” é a lei, devemos saber como é que isso é
verdade. Deus não revelou a Sua lei como uma transcrição do Seu carácter e ao
mesmo tempo como a “força do pecado”. A lei divina de amor levou-O a criar o
homem com capacidade de pecar. Deu-lhe o poder de escolha. Será aqui que reside
o poder do pecado? “O homem resiste à tentação quando, poderosamente
influenciado para fazer o mal, e sabendo que o pode fazer, resiste, pela fé,
firmemente apoiado no poder divino.” (SDABC, vol. 5, pág. 1082; YI, 20
de Julho de 1899.)
É interessante saber que
o poder que Jesus deu aos Seus discípulos, referido em Lucas 10:19, foi exousia
(autoridade), e não “capacidade”. Mas o poder do inimigo no mesmo verso é dunamis
(capacidade). Podemos dizer, então, que Deus deu ao homem autoridade sobre
todas as capacidades de Satanás, mas que retém a capacidade e a autoridade
sobre Satanás sob o Seu próprio controlo. Através de Cristo, todo o poder de
Satanás é quebrado, porque ele é um inimigo derrotado.
Colossense 1:13 diz:
“Livrou-nos do poder (autoridade) da escuridão, e fez-nos passar para o reino
de seu Filho querido” Libertação da autoridade de Satanás e sermos membros do
reino de Deus é exactamente a mesma coisa. “Quando abandonarem a vossa própria
vontade, a vossa própria sabedoria, e aprenderem de Cristo, acharão entrada no
reino de Deus.” (ME, livro 1, pág.
110.)
Uma vez que a lei de Deus
é uma transcrição do Seu carácter, e Satanás está sempre a deturpar o Seu
carácter, devemos encontrar aqui a chave para a afirmação de que a lei é a
“força do pecado”.
Devido a uma má
compreensão e mau uso da lei de Deus, o antigo Israel permaneceu sob o poder de
Satanás durante séculos. O plano de Deus era que a Sua lei, conforme escrita e
revelada no Sinai, fosse um mestre que levasse o Seu povo a Cristo. Gálatas 3:24.
Satanás tinha outros planos. Ele usaria essa mesma lei da liberdade para
escravizar. Como? Concentrando todos os seus esforços numa das funções da lei –
a sua capacidade para condenar. Paulo escreve: “Pois assim como por uma só
ofensa veio o juízo sobre todos os homens, para condenação…” Romanos 5:18. Está
aqui o ponto central de Satanás e o seu poder sobre os homens. Ele tenta
cegar-nos para o resto do mesmo versículo: “...assim também por um só acto de
justiça veio a graça sobre todos os homens, para justificação de vida.”
Satanás sempre ampliou a
condenação, e depois apresentou a estrita obediência à lei como a única solução
aceitável para o problema. Isso levou o homem à derrota sob um miserável
desencorajamento, tentando guardar aquilo que não pode guardar na sua própria
força – dunamis, ou autoridade, exousia. Condenação e culpa estão
associadas e constituem o ponto forte do trabalho de Satanás ao enganar os
cristãos.
A condenação e a
culpa foram planeadas para levar o homem a aperceber-se da sua própria
insignificância e, na sua miséria, ele voltar-se-ia para Deus, que enviou o Seu
filho para resolver todo o problema do pecado. Um pai amoroso, quando lida com
um filho desobediente, com frequência manifesta autoridade e capacidade, mesmo
que seja mal compreendido. O pecado tornou necessária a revelação da lei que
existia desde a eternidade, mas que era mal compreendida e erradamente
aplicada. A principal função da lei como ensinadora foi escondida aos olhos do
homem pela condenação.
A condenação é uma força
rude e opressora, tanto para as religiões pagãs como cristãs. Muitos dos
reformadores sofreram sob o seu poder. De um modo geral, o Cristianismo tem
lutado com este problema e só tem encontrado respostas humanas, que não geram
amor a Deus nem produzem uma atitude correcta para com a Sua lei. David tinha
os seus olhos abertos e viu a lei como o mestre, ou vereda, que leva a Cristo.
A sua resposta foi: “Oh! Quanto amo a tua lei! É a minha meditação em todo o
dia.” Salmo 119:97.
Desde o início da sua apostasia,
Satanás odeia a lei de Deus, trabalhando continuamente para a mudar ou
modificar. Qualquer tentativa para usar a justificação, a imputação do carácter
de Cristo para benefício do homem, como um meio de mudança ou para pôr de lado
a lei de Deus, é concordar com Satanás e cooperar com ele na sua rebelião
contra Deus.
O antinomianismo, o pôr
de lado a lei de Deus, é uma resposta humana para o problema do pecado, que
concorda com a acusação original de Satanás contra Deus.
O homem moderno pode
pensar que a lei é incapaz de satisfazer as suas necessidades. No entanto,
continua a precisar do Salvador a quem a lei o conduz. A verdade é que o homem
precisa de ser mudado completamente, não a lei. Esta mudança dá-se através de
dois processos relacionados, mas distintos e diferentes. Primeiro, foi
concretizado por Cristo um processo legal, a favor do homem, na cruz do
Calvário, quando tomou o lugar que nos pertencia e pagou a dívida que não
podíamos pagar e continuar a viver. Assim, o registo do homem é alterado no
momento em que aceita Cristo como seu Salvador e submete a vida ao Seu
controlo. “Quando os homens vêem a sua própria inutilidade, estão preparados
para ser revestidos com a justiça de Cristo.” (CNJ, pág. 139.) O Calvário permanece como uma
prova irrefutável da imutabilidade da lei de Deus. Se tivesse sido possível
mudar ou anular a lei, o Calvário não teria sido necessário. Graças a Deus pela
Sua dádiva no Calvário, onde Jesus obteve o direito de resgatar os cativos das
mãos do grande enganador. (DTN, pág. 744.)
“Portanto, agora nenhuma
condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne,
mas segundo o Espírito” Romanos 8:1. A justificação anula a condenação para
aquele que se entrega a Cristo. O Salvador disse: “Porque Deus enviou o seu
Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse
salvo por ele.” João 3:17. A lei ainda condena, mas apenas Satanás está
interessado na condenação. O cristão recém-nascido (justificado) aprende que,
mesmo que Satanás trabalhe através dos seus sentidos, para condenar, Cristo não
está ocupado em condenar. “Sabendo que, se o nosso coração nos condena, maior é
Deus do que os nossos corações, e conhece todas as coisas. Amados, se o coração
não nos condena, temos confiança para com Deus.” I João 3:20, 21.
Conseguimos ver que é
apenas compreendendo Deus na Sua verdadeira relação com o homem – que é de amor
e não de condenação – que podemos ter confiança n’Ele? Isto também é verdade na
relação pai-filho. Somente numa relação sincera é que há verdadeira confiança.
“Porque a lei do espírito de vida, em Cristo Jesus, livrou-me da lei do pecado
e da morte.” Romanos 8:2. A lei do espírito serve para nos ensinar sobre a vida
em Jesus Cristo, que nos liberta da lei do pecado e da morte. Foi disto que
Paulo foi liberto em Romanos 7.
A lei do pecado, a qual
diz “…o salário do pecado é a morte…” (Romanos 6:23), tem uma
terrível força condenatória na nossa vida, quando utilizada contra nós por
Satanás. O seu plano é forçar-nos ao arrependimento através desses miseráveis
sentimentos. Muito do arrependimento dos cristãos é um desejo de se livrarem
desses fortes sentimentos. Se formos honestos, podemos ver que o egoísmo é a
raiz deste arrependimento. A Palavra de Deus declara: “…a bondade de Deus que
te leva ao arrependimento.” Romanos 2:4. Não é através da condenação, mas por
olhar para Jesus na cruz do Calvário, que chegaremos ao verdadeiro
arrependimento. Saber que Ele condena o pecado, mas ama o pecador, liberta-nos.
“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” João 8:36.
Quando vemos que somos
vítimas de uma doença mortal, chamada pecado, que tem deixado muitas
cicatrizes, chamadas hábitos, no nosso corpo – e que tem de ser erradicada –
conseguimos compreender quão paciente, contudo persistentemente, Cristo tem de
trabalhar para nos livrar desses hábitos. Só então podemos ver porque é que a
santificação – o segundo processo – é a forma de Deus alterar esses nossos
hábitos, e é o trabalho de toda uma vida. Não se trata de que uma vida inteira
nos faça santos, mas ela deve estabelecer em nós um padrão de total entrega e
disponibilidade que permita a Deus fazer em nós, “…o querer como o efectuar,
segundo a Sua boa vontade.” Filipenses 2:13.
A justificação trata com
a nossa natureza. Quando morremos para o eu, entregamos a nossa vontade e
convidamos Cristo a tomar conta da nossa vida, uma nova natureza é dada ao
cristão nascido de novo. Essa natureza é capaz de se submeter à lei de Deus, ao
passo que a velha natureza odiava a lei de Deus. Romanos 8:7. A santificação
assume a tarefa de redireccionar o carácter, e de remover os hábitos que foram
desenvolvidos através da velha natureza. Esses hábitos e tendências
hereditárias são reminiscências da velha vida centrada no eu. Eles são os mais
fortes apoios que Satanás tem na vida do cristão nascido de novo. Graças a
Deus, mesmo esses apoios podem ser quebrados, através do maravilhoso plano de
redenção.
José Carlos Costa, pastor
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