A vida cristã não é um campo de
recreio; é um campo de batalha. Nós somos filhos
da família, gozando, portanto, da comunhão do evangelho (1:1-11); somos servos que participam no avanço do evangelho (1:12-26); mas somos
igualmente soldados que defendem a fé do
evangelho. E o crente com uma fonte convertida pode ter a alegria do Espírito
Santo, mesmo no meio da batalha.
“A fé do evangelho” é esse corpo
de verdade divina dado à igreja. Judas chama-lhe “a fé que uma vez foi dada aos
santos” (v.3). Paulo alerta-nos em 1 Timóteo 4:1 para o facto de que “nos
últimos tempos apostatarão alguns da fé”. Deus entregou este tesouro espiritual
a Paulo (1 Tim. 1:11), e ele por sua vez entregou-o a outros, como Timóteo (1
Tim. 6:20), cuja responsabilidade consistia em transmitir esse depósito a
outros (II Tim. 2:2). E por isso que a igreja se deve envolver num ministério
de ensino de modo que cada nova geração de crentes conheça, aprecie e use a
grande herança da fé.
Mas existe um inimigo que está em
campo para roubar o tesouro do povo de Deus. Paulo tinha-se encontrado com esse
adversário em Filipos e enfrentava-o de novo em Roma. Se Satanás conseguir
simplesmente roubar aos crentes a fé cristã, as doutrinas que a distinguem de
qualquer outra, então ele poderá perturbar e destruir o ministério do
evangelho. É triste ouvir pessoas dizer: “Não me interessa o que tu creias,
contanto que vivas de maneira correcta.” O que cremos determina a maneira como
procedemos, e uma crença errada significa em última análise uma vida errada.
Cada igreja local não está senão a uma geração duma extinção potencial. Não
admira que Satanás ataque particularmente a nossa juventude, tentando afastá-la
“da fé”.
Como é que um grupo de cristãos
pode lutar contra este inimigo? “Porque as armas do nosso combate não são da
carne” (II Cor. 10:4, NBPA). Pedro pegou numa espada, no jardim, e Jesus
repreendeu-o (João 18:10-11). Nós usamos armas espirituais – a Palavra de Deus
e a oração (Hebr. 4:12; Ef. 6:11-18); temos de depender do Espírito Santo para
nos conceder o poder de que carecemos. Contudo, um exército tem de lutar em
união e é por isso que Paulo envia estas admoestações aos seus amigos em
Filipos. Ele explica neste parágrafo que existem três elementos essências para
se conseguir a vitória na batalha para defender “a fé”.
1. Coerência
(1:27)
A palavra portar relaciona-se directamente com andar. “Somente deveis conduzir-vos de
modo digno do evangelho de Cristo (NBPA). A arma mais importante contra o
inimigo não é um sermão empolgante ou um livro poderoso; é a vida coerente dos
crentes.
O verbo que
Paulo usa está relacionado com a nossa palavra política. Ele está a afirmar: “Procedei da maneira como os cidadãos
devem proceder”.
Quando cheguei
à cidade do Porto, fiquei impressionado, ao caminhar nas ruas, ouvia homens e
mulheres, mesmo, jovens meninas com uma linguagem muito feia. Eu não me
recordava de alguma vez ouvir tantos palavrões, nem na tropa. Eu pensei estas
pessoas estão a dar um mau exemplo do país, ainda bem que os estrageiros não
sabem falar nem compreendem a língua portuguesa.
Paulo dá aqui
a ideia de que nós, cristãos, somos cidadãos do céu e enquanto estamos na terra
temos de nos comportar como cidadãos dos céus. Ele apresenta de novo este
conceito no capítulo 3:20. Essa expressão era rica em significado para os
filipenses, porque essa cidade era uma colónica romana e os seus cidadãos eram
de facto cidadãos romanos, protegidos pela lei de Roma. A igreja de Jesus
Cristo é uma colónia do céu na terra! E nós devemos portar-nos como cidadãos do
céu.
“Estarei eu a
comportar-me de modo digno do evangelho?” é uma boa pergunta para fazermos
regularmente a nós próprios. Devemos “andar… como é digno da vocação” que temos
em Cristo (Ef. 4:1), que significa andar “dignamente diante do Senhor,
agradando-lhe em tudo” (Col. 1:10). Nós não fazemos isso com vista a ir para o
céu, como se pudéssemos ser salvos pelas nossas boas obras, mas procedemos
desse modo, porque os nossos nomes já estão escritos no céu e a nossa cidadania
é no céu.
É bom lembrar
que o mundo que nos rodeia conhece unicamente o evangelho que vê nas nossas
vidas.
“Um Evangelho
escreves,
Cada dia uma
secção,
Com as obras
que realizas
E qualquer
exclamação,
Os homens lêem
esse livro
Em todo o seu
pormenor:
Como é, pois,
o Evangelho
De que tu és o
autor?”
(autor
desconhecido)
“O Evangelho”
é a boa nova de que Cristo morreu pelos nossos pecados, foi sepultado e
ressuscitou (1 Cor. 15:1-8). Só há uma “boa nova” de salvação; qualquer outra
mensagem é falsa (Gál. 6:10). A mensagem do evangelho é a boa nova de que os
pecadores podem tornar-se filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, o Filho de
Deus (João 3:16). Acrescentar alguma coisa ao evangelho é despi-lo do seu
poder. Nós não somos salvos dos nossos pecados pela fé em Cristo mais alguma coisa; somos salvos pela fé
em Cristo somente.
“Nós temos
alguns vizinhos que acreditam num falso evangelho” – disse um membro duma
igreja ao seu pastor. “Tem alguma literatura que eu lhes possa dar?”
O pastor abriu
a sua Bíblia em II Coríntios 3:2 e leu: “Vós sois a nossa carta, escrita nos
nossos corações, conhecida e lida por todos os homens”. Disse-lhe então: “A
melhor literatura deste mundo não pode substituir a sua própria vida. Deixe-os
ver Cristo na sua conduta e isso abrirá oportunidades de partilhar com eles o
evangelho de Cristo.”
A maior arma
contra o diabo é uma vida verdadeiramente piedosa. A igreja local que pratica a
verdade, que “vive o que crê”, irá destruir o inimigo. Este é o primeiro
elemento essencial para se conseguir a vitória nesta batalha.
2. Cooperação
(1:27b)
Paulo passa
agora a usar a ilustração do atletismo. A palavra traduzida por “combatendo
juntamente” dá-nos o termo “atletismo”. Paulo vê a igreja como uma equipa e
recorda aos crentes que é o trabalho em equipa que ganha vitórias. Não nos
esqueçamos de que havia divisão na igreja de Filipos. Um dos motivos era que
havia duas mulheres que não estavam a dar-se bem (4:2). Aparentemente, os
membros da comunidade tomavam partido, como acontece muitas vezes, e a divisão
daí resultante estava a prejudicar o trabalho da igreja. O inimigo fica sempre
feliz ao ver divisões internas no ministério local. “Dividir para conquistar” é
o seu lema, e muitas vezes o consegue. É só combatendo juntos que os crentes
podem vencer o inimigo.
Ao longo desta
carta, Paulo usa um interessante esquema para salientar a importância da
unidade. Na língua grega, o prefixo sun
significa “com, juntamente”, e quando usado com diferentes palavras reforça a
ideia de unidade. (É, de certo modo, semelhante ao nosso prefixo co. Paulo usa-o) pelo menos 16 vezes na
epístola aos Filipenses e os seus leitores não podiam deixar de reparar nessa
mensagem. Em 1:27, o termo grego sunathleo – “combatendo juntos como atletas”.
Uma ou outra
vez, ouço um atleta brilhante seja no futebol, ciclismo ou outra qualquer
modalidade dizer: “Foi graças aos meus colegas …” ele tem consciência que ele
faz parte de uma equipa e é esta que trabalha para que um brilhe. É essa
atitude que favorece a vitória ou a derrota no caso de cada um pensar no
individual e não no colectivo. Infelizmente, temos também nas igrejas tais
“caçadores de louros”. João teve de lidar com um indivíduo chamado Diótrefes,
porque ele queria “ter entre eles o primado” (III João 9). Mesmo os apóstolos
Tiago e João pediram que lhe fossem atribuídos tronos especiais (Mat.
20:20-28).
A palavra
importante é juntos: permanecer
firmemente juntos no Espírito, combatendo juntos contra o inimigo e fazendo
isso com uma só mente e um só coração.
Não seria
difícil propagar este conceito de igreja local como uma equipa de atletas. Cada
pessoa tem o seu lugar e trabalho designado e se cada uma cumpre a sua tarefa,
está a ajudar todos os outros.
Nem todos
podem ser capitão de equipa ou outro elemento chave! A equipa tem de seguir as
regras e a Palavra de Deus é o nosso “Livro de regulamentos! Há um alvo –
honrar Cristo e a Sua vontade. Se todos trabalharmos juntos, podemos atingir
esse alvo, ganhar o prémio e glorificar o Senhor. Mas no momento em que um de
nós começa a desobedecer às regras, interrompendo o treino (a vida cristã
requer disciplina), ou buscando glória pessoal, o trabalho de equipa desaparece
e passam a imperar a divisão e a competição.
Por outras
palavras. Paulo recorda-nos de novo a necessidade duma mente convertida. Há alegria
nas nossas vidas, mesmo quando lutamos contra o inimigo, se vivermos para
Cristo e para o evangelho e praticamos “trabalho cristão em equipa”. É certo
que existem pessoas com as quais não podemos cooperar (II Cor. 6:14-18; Ef.
5:11); mas há muitas outras com quem o podemos
fazer – e devemos fazê-lo!
Somos cidadãos
do céu, portanto, devemos andar de modo coerente. Somos membros da mesma “equipa”
e devemos trabalhar em cooperação. Mas existe um terceiro elemento essencial
para termos êxito no nosso embate com o inimigo, e esse é a confiança.
3. Confiança
(1:28-30)
“Em nada vos
espanteis dos que resistem!” A palavra que Paulo usa aqui aponta para um cavalo
que foge da batalha. É claro que ninguém vai arremessar-se cegamente para a
luta; mas por outro lado, nenhum crente verdadeiro deve deliberadamente evitar
enfrentar o inimigo. Nestes versículos, Paulo dá-nos palavras de encorajamento
para nos transmitir confiança na batalha.
Primeiro, essas lutas provam que somos salvos (v.
29). O contexto da salvação não é; salvo uma vez salvo para sempre, mas antes, “fui
salvo, sou salvo, serei salvo”. Fui
salvo quando aceitei a Jesus Cristo como meu Salvador pessoal, sou salvo, cada dia ao renovar o meu
pacto de confiança n´Ele, serei salvo
quando Ele vier em glória e majestade. É nesta relação crente, salvação e
Cristo que o cristão de mente convertida sofre com Cristo. Paulo define isto
como “a comunicação das suas aflições” (3:10). Por qualquer razão, muitos novos
crentes têm a ideia de que confiar em Cristo significa o término das suas
lutas. Na realidade, significa exactamente o começo de novas batalhas. “No mundo tereis aflições” (Joao 16:33). “E também
todos os que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições” (II
Tim. 3:12).
Mas a presença
de conflito é um privilégio; sofremos
“por amor dele”. De facto, Paulo diz-nos que este conflito nos é “concedido” –
é um dom! Se sofrêssemos por nós mesmos, isso não constituiria nenhum
privilégio; mas, porque sofremos por Cristo e com Cristo, é uma honra elevada e
santa.
Afinal, Ele
sofreu por nós e uma disposição da nossa parte para sofrer por Ele é o mínimo
que poderemos fazer para Lhe demonstrar o nosso amor e gratidão.
Uma terceira
expressão de encorajamento é esta: outros
estão a experimentar o mesmo conflito (v. 30). Satanás quer que pensemos
que nos encontramos sós na batalha, que as nossas dificuldades são únicas, mas
não é esse o caso. O apóstolo Paulo lembra aos filipenses que ele próprio está
a atravessar idênticas dificuldades às que eles experimentaram a centenas de
quilómetros de Roma! Uma mudança geográfica não constitui geralmente solução
para os problemas espirituais, porque a natureza humana é a mesma em qualquer
lugar em que nos encontremos, e o inimigo aparece em toda a parte. O facto de
se saber que outros crentes estão a tomar parte na mesma batalha dá-nos ânimo
para prosseguirmos e orarmos por eles como por nós mesmos.
Na verdade,
atravessar um conflito espiritual é uma das formas que temos para crescermos em Cristo. Deus dá-nos a
força de que necessitamos para permanecermos firmes contra o inimigo, e esta
confiança mostra-lhe que será ele o derrotado (ele já foi derrotado), pois nós
estamos do lado da vitória (v. 28b). Os filipenses tinham visto o apóstolo a
atravessar lutas aquando da sua presença com eles (ler Atos 16:19 e seguintes),
e testemunharam da sua firmeza no Senhor.
A palavra “conflito”
dá-nos a palavra agonia e é este o
temos que se aplica para definir a luta de Cristo no jardim (Lucas 22:44). Quando
enfrentamos o inimigo dependendo do Senhor, Ele dá-nos tudo o que é necessário
para a batalha. Quando o adversário vê a nossa confiança, que nos foi dada por
Deus, fica temeroso.
Assim, a mente
convertida permite-nos sentir alegria no meio da batalha, porque produz em nós
coerência, cooperação e confiança. Nós experimentamos a alegria do “trabalho
espiritual em equipa” quando combatemos juntos pela fé do evangelho.
José Carlos
Costa, pastor
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