domingo, 22 de janeiro de 2012

POESIA VIDA E ADORAÇÃO

1. INTRODUÇÃO: Salmo 104
A linguagem humana tem sido empobrecida pela ausência da poesia.
Num mundo marcado pelo imediatismo e pelos artefatos da tecnologia microelectrónica, há poucos espaços para a imagem poética, necessariamente profunda e às vezes aparentemente sem utilidade. No entanto, os poetas são mais importantes que os desenvolvidos pelos criadores de tecnologia, que nos fazem fruir a vida, mas não nos ajuda a entendê-la.
Podemos dizer que a poesia ficaria relegada a livros de tiragens ridículas, não fosse a música, que tem sua poesia própria (a melodia) e se encontra com a poesia propriamente dita através das letras usadas. As canções, no entanto, são poesia, mas um outro tipo de poesia.
No meio cristão, passamos pela mesma experiência. A poesia vem perdendo espaço, mantida por meio dos hinos, que também são um tipo de poesia. Nós somos um povo musical, como o de Israel o era, como nos lembra o profeta Amós: Vocês fazem músicas como fez o rei Davi e gostam de cantá-las com acompanhamento de harpas. (Amos 6.5)

2. ENRIQUEÇAMO-NOS COM A IMAGINAÇÃO POÉTICA
Não podemos, diante deste quadro, esquecer que a Bíblia, o livro pelo qual pautamos as nossas vidas, é um livro de expressão poética. Se não entendermos esta sua característica, teremos dificuldade para ouvir Deus falar
Tomemos alguns dos grandes salmos.
O salmo 1 não diz simples que a felicidade consiste em viver de forma reta diante de Deus, mas usa imagens para descrever os ímpios e para pintar os justos. Assim,

Bem-aventurado o homem que
não anda no conselho dos ímpios,
não se detém no caminho dos pecadores,
nem se assenta na roda dos escarnecedores.

Ele é como árvore plantada junto a corrente de águas,
que, no devido tempo, dá o seu fruto,
e cuja folhagem não murcha;
e tudo quanto ele faz será bem sucedido.
(Salmo 1.1,3)

A pessoa temente a Deus não é uma árvore, mas é como se fosse, diz-nos a poesia.

O salmo 19 retrata a glória do Senhor com imagens poéticas majestosas:

Os céus proclamam a glória de Deus,
e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.
Um dia discursa a outro dia,
e uma noite revela conhecimento a outra noite.
Não há linguagem, nem há palavras,
e deles não se ouve nenhum som;
no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz,
e as suas palavras, até aos confins do mundo.
Aí pôs uma tenda para o sol,
o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói.
(Salmo 19.1-5)

Como o firmamento anuncia, se não tem boca? Como um dia discursa, se não tem língua? Como a natureza, que não tem som, faz ecoar a palavra de Deus? Como pôr uma tenda para o sol?

O salmo 23 é poesia pura, desde o princípio.

O Senhor é o meu pastor;
nada me faltará.
Ele me faz repousar em pastos verdejantes.
Leva-me para junto das águas de descanso;
refrigera-me a alma.
Guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome.
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte,
não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo;
o teu bordão e o teu cajado me consolam.
(Salmo 23.1-4)

O que é repousa em pastos verdejantes e ter um pastor, se não somos gado? O que é ser guiado pelas veredas da justiça? Como receber consolo de um bordão e de um cajado?

Estes poucos exemplos bastam para mostrar que não dá para entender alguns capítulos senão com a imaginação. Precisamos, portanto, de imaginação poética para fruir melhor a Bíblia. Se não, como admiremos também a existência de uma sarça que não se consome ou de uma estrela que percorre o firmamento para guiar os magos? Se não, como entenderemos a oração de Jesus pedindo pela passagem do cálice? Como entenderemos a descrição que o livro de apocalipse faz do céu? como उमा Cidade Santa, a nova Jerusalém, que descia do céu.
Ela vinha de Deus, enfeitada e preparada,
vestida como uma noiva que vai se encontrar com o noivo, (...)
brilhando com a glória de Deus.
A cidade brilhava como uma pedra preciosa,
como uma pedra de jaspe, clara como cristal.
[Nela, não havia templo,]
pois o seu templo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, e o Cordeiro.
A cidade não precisa de sol nem de lua para a iluminarem,
pois a glória de Deus brilha sobre ela,
e o Cordeiro é o seu candelabro.
(Apocalipse 21.2, 11, 23, 23)
Só podemos usufruir da riqueza do livro de Apocalipse por meio da imaginação poética, a mesma que Deus inspirou ao autor bíblico.
Nem todos precisamos ser poetas, mas todos precisamos de um pouco de imaginação poética para penetrar na riqueza da Palavra de Deus.
3. VALORIZEMOS A EXPRESSÃO POÉTICA
A poesia é uma das formas mais apropriadas para se falar da vida. Os livros de Job, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos são uma demonstração viva desta realidade.
Há na Bíblia expressões poéticas acerca do sofrimento, como esta:
A minha harpa se me tornou em prantos de luto,
e a minha flauta, em voz dos que choram.
(Job 30:31)
Há, na Bíblia, inclusive expressões poética de exaltação ao amor erótico, entre um homem e uma mulher, como em Cântico dos Cânticos, uma das quais sendo a seguinte:
O inverno já foi, a chuva passou, e as flores aparecem nos campos.
É tempo de cantar; ouve-se nos campos o canto das rolinhas.
Os figos estão começando a amadurecer,
e já se pode sentir o perfume das parreiras em flor.
Venha então, meu amor. Venha comigo, minha querida.
(Cântico dos Cânticos 2.11-13:)
A poesia é uma das formas mais adequadas para se falar de Deus e para se exaltar a sua excelsitude para conosco. O que é o seu nome "Emanuel" se não uma expressão poética? Como um Deus pode se apresentar como "Eu sou o que sou", se não pela imaginação poética. Os salmos, uns musicados (e é pena que tenhamos perdido as suas melodias), outros não, são essencialmente cânticos de louvor, isto é, exaltação, a Deus. Nós os apreciamos porque falam de nós mesmos, nossas dores e dúvidas, mas também porque falam de Deus, de sua glória, isto é, de sua beleza, e de sua graça, de seu amor para conosco.
Um dos pontos altos da expressão poética do Antigo Testamento é o salmo 104, todo escrito em forma de imagens poéticas.
Bendize, oh minha alma, ao Senhor!
Senhor, Deus meu, como tu és magnificente:
sobrevestido de glória e majestade,
coberto de luz como de um manto.
Tu estendes o céu como uma cortina,
pões nas águas o vigamento da tua morada,
tomas as nuvens por teu carro e voas nas asas do vento.
Tomaste o abismo por vestuário e a cobriste;
as águas ficaram acima das montanhas;
à tua repreensão, fugiram,
à voz do teu trovão, bateram em retirada.
Elevaram-se os montes,
desceram os vales, até ao lugar que lhes havias preparado.
Que variedade, Senhor, nas tuas obras!
Todas com sabedoria as fizeste;
cheia está a terra das tuas riquezas.
Todos esperam de ti que lhes dês de comer a seu tempo.
Se lhes dás, eles o recolhem;
se abres a mão, eles se fartam de bens.
Se ocultas o rosto, eles se perturbam;
se lhes cortas a respiração, morrem e voltam ao seu pó.
Envias o teu Espírito, eles são criados,
e, assim, renovas a face da terra.
A glória do Senhor seja para sempre!
Exulte o Senhor por suas obras!
Cantarei ao Senhor enquanto eu viver;
cantarei louvores ao meu Deus durante a minha vida.
Seja-lhe agradável a minha meditação;
eu me alegrarei no Senhor.
(Salmo 104.1-3,6-8,24,27-31,33,34)
Os poemas de exaltação a Deus levam-nos à Sua presença, para contemplar a Sua glória:
Oh profundidade da riqueza,
tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!
Quão insondáveis são os seus juízos,
e quão inescrutáveis, os seus caminhos!
Quem, pois, conheceu a mente do Senhor?
Ou quem foi o seu conselheiro?
Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído?
Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas.
A ele, pois, a glória eternamente.
Amém!
(Romanos 11.33-36)
Não há, portanto, uma dicotomia entre poesia e fé. A fé diz "eu creio em Ti, Senhor "; a poesia crente clama: "meu coração se lança sobre as tuas costas, Senhor".
A fé afirma: "guarda-me, Senhor"; a poesia bíblica escreve: esconde-me à sombra das tuas asas (Salmo 17.8).
A fé exalta: Como é preciosa, oh Deus, a tua benignidade! a poesia aprofunda: Por isso, os filhos dos homens se acolhem à sombra das tuas asas. (Salmo 36.7)
A fé pede: Tem misericórdia de mim, oh Deus, tem misericórdia; a poesia consagrada enriquece: pois em ti a minha alma se refugia; à sombra das tuas asas me abrigo, até que passem as calamidades. (Salmo 57.1)
Para que usufruamos da poesia enquanto expressão de nossos sentimentos e desejos mais profundamos precisamos valorizar a expressão artísticas, precisamos nos educar para a poesia, precisamos nos expressar por meio da poesia.
1. Precisamos valorizar a expressão poética.
Cada um de nós deve buscar formas artísticas para expressar nossos sentimentos (de tristeza e de alegria), nossos desejos e nosso louvor.
A Bíblia reconhece o valor da expressão artística, e um dos exemplos está no livro de Samuel. E sucedia que, quando o espírito maligno, da parte de Deus, vinha sobre Saul, Davi tomava a harpa e a dedilhava; então, Saul sentia alívio e se achava melhor, e o espírito maligno se retirava dele. (1 Samuel 16:23)
Você está triste, ouça uma canção que anime o seu coração. Você está agitado, entre numa galeria de arte ou numa exposição para ver as obras dos outros.
Se está com a auto-estima lá em baixo? Leia o poema 8 do livro dos salmos. Se está excessivamente autoconfiante? Leia o poema de Paulo aos filipenses (capítulo 2).
2. Precisamos nos educar para a poesia.
Para fruir a poesia, temos que nos educar para a poesia. Precisamos entender que a poesia é uma outra maneira de dizer as coisas. Precisamos reconhecer que ler poesia nos torna menos duros, menos amargos, menos pesados; mais sensíveis, mais agradáveis e mais leves.
Educando-nos para a poesia, leremos melhor e escreveremos melhor; mais que isso, entenderemos melhor a Palavra de Deus a nós.
Para tanto, leiamos a poesia bíblica, leiamos a poesia secular (principalmente brasileira), leiamos a poesia evangélica (embora escassa).
3. Precisamos nos expressar por meio da poesia.
Só ela nos permite dizer o que não cabe na boca nem no discurso narrativo.
A poesia é bonita de mais para ficar só com os poetas. A poesia é profunda demais para ficar só com os poetas não cristãos.
Precisamos escrever poeticamente. A poesia cristã precisa estar nos livros, nas praças e nos teatros. Precisamos de poesia cristã de qualidade, mesmo que perca parte da sua idialismo ou homiletismo.
Aos poetas jovens, de qualquer idade, leiam muita poesia e escrevam. Escrevam muito, reescrevam muito. Sejam humildes e ousados, ao mesmo tempo. Sejam os melhores poetas. Orem a Deus em busca de inspiração. Vejam o que os outros fazem e façam melhor.
4. CONCLUSÃO
O mundo precisa de poesia. Vamos dar poesia ao mundo. A poesia também se ressente da corrupção do género humano. Nós podemos falar da redenção, também sob a forma poética.
Foi o que o apóstolo Paulo fez no grande teatro ao livre de Atenas. Depois de ver as expressões poéticas do povo, espalhadas pelas ruas e pelos templos, ele assim se expressou:
Esse que adorais sem conhecer
é precisamente aquele que eu vos anuncio.
O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe;
sendo ele Senhor do céu e da terra,
não habita em santuários feitos por mãos humanas.
Nem é servido por mãos humanas,
como se de alguma coisa precisasse;
pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais;
de um só fez toda a raça humana
para habitar sobre toda a face da terra,
havendo fixado os tempos previamente estabelecidos
e os limites da sua habitação;
para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar,
bem que não está longe de cada um de nós;
pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos,
como alguns dos vossos poetas têm dito:
"Porque dele também somos geração".
Sendo, pois, geração de Deus,
não devemos pensar que a divindade
é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra,
trabalhados pela arte e imaginação do homem.
(Atos 17.24-29)

O cristianismo precisa de poesia. Paulo, para nos ensinar o sentido da vida, sentido da vida que muitos cristãos temos perdido, nos abençoa com as seguintes palavras, carregadas de poesia:

Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado
com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo,
[Ele] assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo,
para sermos santos e irrepreensíveis perante ele;
e em amor nos predestinou para ele,
para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo,
segundo o beneplácito de sua vontade,
para louvor da glória de sua graça,
que ele nos concedeu gratuitamente no Amado,
no qual temos a redenção, pelo seu sangue,
a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça,
que Deus derramou abundantemente sobre nós
em toda a sabedoria e prudência,
desvendando-nos o mistério da sua vontade,
segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo,
de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos,
todas as coisas, tanto as do céu, como as da terra;
[pois em Jesus] fomos também feitos herança,
predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas
conforme o conselho da sua vontade,
a fim de sermos para louvor da sua glória,
nós, os que de antemão esperamos em Cristo;
em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade,
o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido,
fostes selados com o Santo Espírito da promessa;
o qual é o penhor da nossa herança,
ao resgate da sua propriedade,
em louvor da sua glória.
[Ele] pôs todas as coisas debaixo dos pés,
e para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja,
a qual é o seu corpo,
a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas.
(Efésios 1.1-14, 22-23)

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