sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A MINHA PONTE

Dos 6 aos 12 anos, vivi numa aldeia, a aldeia da minha mãe. Esta estava separada de outra aldeia maior, por um rio. Um afluente de um afluente (não recordo o nome) do Mondego. Um dia chegou um pequeno homem, de olhos brilhantes e um rosto que tinha algo de palhaço, eu tinha apenas 11 anos e vivia na aldeia mais pequena. Na primavera e no início do inverno e mesmo durante todo o inverno a água ultrapassava as margens do rio e alagava as nossas terras, eu gostava porque pareceia o mar. eu tinha nascido na Figueira da Foz, sentava-me a olhar aquele mar de água e sonha que estava a olhar para o Atlântico, gostava de ver os troncos de árvores passar na corrente, gostava dos remoínhos que a água fazia. Aquele homem pediu ao meu tio se lhe dava abrigo, coisa que o meu tio concedeu. Uma espécie de palheiro onde guardava a palha para os animais.
Durante a primeira semana ninguém o via. Depois fiquei a saber que trabalhava na serração da família da Estação. Durante um mês passou os seus fins de semana a olhar as águas do nosso rio, o imenso pinhal e o declive da nossa aldeia. Olhava para as poucas pessoas da minha aldeia (éramos 16 famílias) com um olhar profundo e calmo.
No segundo mês começou a cortar grandes pinheiros. Foi num fim de semana que pediu ao meu tio uma junta de bois. – Quero arrastar os troncos, disse. O meu tio, por curiosidade, foi olhar e viu que arrastava os troncos para perto do riacho.
- Vai fazer uma jangada! Disse o meu tio. Meu assombro, porém, foi grande quando o vi cavar um buraco e enterrar um enorme tronco. Em seguida arrastou pedras para o firmar. O meu tio observou-o durante todo o dia e depois disse: – Está louco! Quer fazer uma ponte… Naquela noite sonhei com uma linda ponte de madeira que fazia um barulho como um tambor quando se andava sobre ela.
No Domingo de manhã, saltei da cama e corri ladeira abaixo. Sem dizer uma palavra, comecei a arrastar pedras. Ao entardecer o homem disse: – Vai ser lindo quando pudermos passar sobre o rio! No outro fim de semana juntaram-se a nós dois homens e uma mulher da do outro lado. Durante o dia as pessoas trabalhavam, contavam histórias e riam-se. Então dei-me conta que “os da frente” não eram tão maus como diziam os meus vizinhos.
Ao final do dia o homem disse:
- No Sábado que vem trabalharemos na outra margem do rio. Desta vez fomos 15 pessoas, em ambos os lados do rio. No terceiro mês éramos quarenta. Houve, então, um problema sério do nosso lado. Uma enxurrada a mais provocaram uma discussão entre Manuel, o carpinteiro, e João, o ferreiro. Ambos queriam ser “chefe da construção”. Naquela mesma noite o volume de águas cresceu e arrastou consigo os nossos troncos e empurrou enormes pedras como se fossem cascalhos.
No seguinte fim de semana éramos apenas sete, a limpar a zona de construção para começar tudo de novo. Cinco meses depois, finalmente, colocávamos as proteções dos lados. – Coloquemos umas boas proteções para que as crianças possam correr pela ponte, sem perigo –disse o homem. Fomos oitenta, os que trabalhamos na construção das proteções. Pela tarde, oitenta e um; foi quando chegou o meu tio, o último a incorporar-se. Naquela noite, mortos de cansaço, fomos todos olhar a nossa ponte e sentamos-nos ao redor de um grande fogo. Então demo-nos conta de que amávamos a ponte, o rio e que gostávamos de estar juntos. Esta união, não nos abandonaria nas iniciativas que haveríamos de tomar depois.
Olhávamos uns para os outros com estima e em cada um de nós existia um secreto desejo de recuperar o tempo perdido, quando nem sequer nos olhávamos.
Isso tudo devíamos àquele homem pequeno, de olhos brilhantes e semblante de palhaço.

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