segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A ORIENTAÇÃO DIVINA NA TRADUÇÃO DA SEPTUAGINTA

A Septuaginta é a mais antiga versão grega do Velho Testamento. Sua tradução do hebraico foi um trabalho de erudição feito por judeus, e considera¬da primeiramente por eles, como obra de suma estimação.
Escrito¬res judeus como Philo e Josefo a usaram preferentemente, senão exclusivamente nas suas obras. A Septuaginta foi instrumento de su-prema importância na expansão e preservação do judaísmo, pois os judeus que, afectados pela Diáspora, moraram distantes da terra dos seus pais, tiveram na Septuaginta estímulo suficiente para guardar fidelidade à “Lei” (Torah).
Foi através da Septuaginta que o mundo grego, pela primeira vez teve contacto com a revelação do Velho Testamento, dando oportunidade para os não-judeus estudarem os escritos hebraicos. “A atitude mais generalizada entre os gregos que tiveram conhecimento do Velho Testamento (Septuaginta), foi considerar que este livro e o Cosmos estão relacionados mutua¬mente e devem ser entendidos jun¬tos.” (1)
A Septuaginta tornou-se um meio de levar o conhecimento da religião judaica para o vasto mun¬do gentílico, com importantes re¬sultados na conquista de prosélitos. Foi através da Septuaginta que as profecias relativas ao pro¬metido Messias tornaram-se co¬nhecidas na linguagem universal, cerca de 300 anos antes do nascimento de Cristo. Além disso, aplainou o caminho para o advento do cristianismo e das missões cris-tãs.
Durante o alvorecer do cristia¬nismo, a Septuaginta foi as Sagra¬das Escrituras, tanto dos cristãos como dos judeus, em razão do grego ser a língua amplamente falada naqueles dias. Usada pela igreja primitiva como estandarte na difu¬são da sua mensagem, a Septuaginta capacitou-a, por isto, a descobrir um ponto de contacto (Actos 8:26-40) entre os gentios que pre¬viamente foram atingidos com o seu conhecimento. (2)
Em relação ao surgimento da “Vulgata Latina”, Agostinho afir¬ma que Jerónimo usou a Septuaginta na sua estrutura canónica, e não o hebraico original, como base para sua tradução. (3) Orígenes de Alexandria incluiu a Septuaginta na sua monumental obra de compi-lação escriturística denominada Héxapla (230-240 AD). O impera¬dor Constantino, convertido ao cristianismo, na sua homília, du¬rante o Concilio de Nicéia (325 AD), recomendou ao mundo cris¬tão a leitura da Septuaginta como fundamento dos princípios da fé e para resguardar-se das heresias.
Muitos vocábulos bíblicos do ori¬ginal hebraico, ao serem traduzi¬dos para o vernáculo, sofreram alterações de interpretação que so¬mente, graças à linguagem da Septuaginta, são esclarecidos e interpretados com exactidão para se co¬nhecer a vontade de Deus.
A produção da magna obra, que é a Septuaginta, pelos resultados gerados, faz parte dos eventos proféticos que convergem principal-mente no advento de Cristo a este mundo. Esta asserção encontra-se alicerçada na análise histórica e na interpretação profética dos aconte-cimentos que precederam o início de nossa era. A interpretação dos fatos históricos que emolduram o surgimento da Septuaginta, evita o vaticínio após o evento, que minimiza a sua influência, deixando, porém, expostos claramente, os si¬nais providenciais de Deus, diri¬gindo e orientando o afloramento desta obra.
A Expansão do Helenismo nos Desígnios Divinos:
É possível sentir de modo palpável a mão da Providência, conduzindo especificamente o surgimento da Septuaginta, desde a expansão do helenismo, graças às campanhas bélicas de Alexandre o Grande. Este gênio militar, embebido des¬de a mocidade pelos conceitos filo¬sóficos de seu tutor, Aristóteles, desenvolveu profunda reverência e amor por todas as expressões da cultura helénica: literatura, arte, beleza, e principalmente a lingua¬gem grega (1 Cor. 1:22 ú.p.) Deus tinha um propósito quando determinou o curso da História. E a na¬ção grega foi “chamada por Deus para realizar um trabalho — um es¬pecífico trabalho”. (4)
Duzentos anos antes do estabe¬lecimento desse império, Daniel re-presentava-o profética porém inteligivelmente, como o “ventre e os qua-dris de bronze da estátua do sonho de Nabucodonosor” (Dan. 2:32-35), ou como um leopardo com quatro asas nas suas costas (Dan. 7:6), ou mais conclusivamente, como o bo¬de que vinha do ocidente sobre to¬da a terra (Dan. 8:5-8). Na mesma linguagem simbólica, Alexandre é introduzido nos anais divinos, co¬mo o “príncipe da Grécia” (Dan. 10:20) que “reinará com grande domínio” (Dan. 11:3). (5)
Contava Alexandre apenas 20 anos de idade (336 AC), quando co¬meçou a iluminar o horizonte da História como fugaz estrela que brilha no zénite do firmamento e desaparece em rápido declínio. Em apenas oito anos de invictas batalhas Alexandre apossou-se dos confins do mundo conhecido: Granico, Ásia Menor, Issus, Tiro, Ga¬za, Palestina, todo o Egito, Arbela, Babilônia, Susã, Báctria e Índia. No Egipto, como por vaticínio, fun¬dou Alexandria, cidade-berço da Septuaginta.
E notório o fato registado por Josefo, ao relatar a chegada de Alexandre à cidade de Jerusalém no comando dos seus invencíveis esquadrões. (6) Tremenda consterna¬ção apossou-se da população quando tornou-se conhecida a iminente chegada do guerreiro grego. En¬tretanto o sumo sacerdote Judas, movido por um sonho nocturno, de¬cidiu enfrentar o conquistador. Ataviado com suas vestes sacerdotais e acompanhado por um séqui¬to de sacerdotes em níveas vesti¬mentas, aguardou a aproximação de Alexandre. Este, para surpresa das suas milícias e generais, cur¬vou-se reverente diante do sacerdo¬te, ao divisar o nome de Deus gra¬vado na mitra do líder religioso. (7)
Alexandre permitiu aos judeus observar suas próprias leis, conce¬deu excepção de tributos durante os anos sabáticos, e os estimulou a re¬sidir em Alexandria, com privilé¬gios iguais aos dos cidadãos gregos. (8) E compreensível, a partir deste facto, o interesse demonstra¬do pelos gregos em adoptar as for¬mas e cerimónias de adoração dos judeus, e até a arquitectura do Templo de Jerusalém tornou-se um modelo imitado pelos artífices gregos.
Desta maneira, dois factores im¬portantes à difusão da Palavra Di¬vina estavam já assentados: a universalidade do poder e linguagem gregos, e a influência da religião judaica no esquema do novo impé¬rio. Porém, o cumprimento profé¬tico dos eventos sucessivos a este prelúdio de domínio universal, de¬terminaram com maior precisão o ambiente adequado à produção da Septuaginta. O Omnisciente Deus, que conhece os mistérios que en¬volvem os acontecimentos históri¬cos (Dan. 2:28), diante da hegemo¬nia de um poder sustentado espiri¬tualmente pelas falácias mitológi¬cas e divagações filosóficas, pre¬servou através da influência do Seu Espírito, na dinastia dos Pto¬lomeus, a atmosfera espiritual ne¬cessária à elaboração da Septuaginta.
De fato, a mão do Criador e Sustentador estava guiando o suceder histórico na expansão do helenismo previamente fixado, e no esta-belecimento de uma dinastia capaz de permitir a difusão dos Escritos Sagrados em idioma internacional.
Selêucidas e Ptolomeus:
A morte prematura de Alexandre o Grande (323 AC), não houve her-deiro para ocupar o trono do conquistador, pois seu filho mais ve¬lho contava apenas cinco anos de idade. O império era vastíssimo para ser dirigido por um líder im¬provisado. Assim, durante 20 anos sucederam-se lutas intestinas en¬tre oito generais insuficientemente fortes para suceder Alexandre, e que culminaram (302 AC) com a divisão do império em quatro reinos: Ptolomeu tomou o Egipto; Se¬leucidas apoderou-se da Síria e de to¬da a região Leste; Lisímaco apos¬sou-se da Trácia e Ásia Menor; e Cassandro ficou com a Grécia. Pou¬cos anos depois, Lisímaco apodera¬va-se da Grécia, para depois (281 AC) ele mesmo sucumbir aos embates de Seleuco, reduzindo a dois os governos sucessórios do impé¬rio grego: Selêucidas e Ptolomeus. Jerusalém e toda a Palestina fi¬cavam sob o governo dos Ptolo¬meus, que demonstraram grandes favores para com o povo, judeu; não assim os Selêucidas, quando foi a sua vez de dominar a terra de Israel.
A dinastia dos Selêucidas, fun¬dada por Seleuco 1 (Nicátor), um dos generais de Alexandre, teve uma sucessão de governantes de nome Seleuco e Antíoco, com clara ambição de manter sob seu contro¬le a cidade de Jerusalém. Isto aconteceu em 199 AC, quando An¬tíoco III, cognominado “O Gran¬de”, venceu os Ptolomeus na bata¬lha de Paneion, transferindo para seus domínios o território da Pa¬lestina. Antíoco III mostrou-se ini¬cialmente generoso com o povo ju¬deu. Reduziu a um terço os tributos da população de Jerusalém e providenciou meios para reconstruir o Templo. (9) Esta estratégia política produziu os resultados propostos, ao conseguir que vários líderes judeus estimulassem a helenização da Palestina, despertando, não obstante, patentes repulsas entre os mais ortodoxos.
A crise chegou ao seu clímax durante o reinado de Antíoco IV, Epifanes. Onias, sumo sacerdote em Jerusalém, foi despojado do seu cargo por judeus favorecidos política e financeiramente pelo novo governo. Jason, judeu adepto do helenismo, intitulou-se a si próprio sumo sacerdote, concedendo grandes tributos a Antíoco IV em troca de proteção e outros privilégios. Jason estimulou a construção de um ginásio em Jerusalém, favoreceu a implantação de práticas gregas, e identificou muitos lugares públicos com nomes gregos. Menelau, um benjamita, adquiriu o título de sumo sacerdote pagando um tributo maior do que Jason.
Os judeus ortodoxos, que ficaram escandalizados quando Jason foi nomeado sumo sacerdote, demonstraram profunda consternação quando Menelau, um benjamita, aspirou ao sumo sacerdócio.
Levantou-se, então, uma disputa entre facções de judeus, muito bem aproveitada por Antíoco Epifanes. Este rei avançou sobre Jerusalém (169 AC), num dia de sábado — quando os ortodoxos não poderiam se defender — matando grande número de judeus contrários a Menelau. Os muros e as fortalezas da cidade foram destruídos, e removidos todos os traços da fé ortodoxa. O Deus de Israel foi identificado com Júpiter, e uma
imagem esculpida com barba abundante — deidade pagã — foi erigida no altar do Templo (6 de dezembro de 167 AC). (10) No mesmo altar foram oferecidos escarnecedores sacrifícios de porcos, substituindo a imolação de cordeiros. Os judeus foram proibidos, sob pena de morte, de praticar a circuncisão, observar o sábado ou celebrar as festas religiosas do calendário judaico. Muitas cópias das Sagradas Escrituras foram destruídas e queimadas. A cidade tornou-se uma colo,ia militar, onde a lei de segurança era aplicada com
muita crueldade. Um idoso escriba chamado Eleazar, foi "flagelado até morrer por ter-se negado a tos da população de Jerusalém e consumir carne de porco”. (11)
Guardas militares foram designados em todo o território judeu para fiscalizar a celebração de sacrifícios pagãos, e induzir os judeus a tais práticas, por meio de força. "Por causa destes, os residentes de Jerusalém fugiram; ela tornou-se guarida de estranhos" (I Mac. 1:38).
No primeiro livro de Macabeus (livro apócrifo), encontra-se o relato da enérgica posição assumida
pelo sacerdote Matatias, quando compelido por um oficial grego, a oferecer sacrifício pagão. Um outro sacerdote, temeroso das conseqüências, ofereceu o sacrifício.
Matatias, apesar de idoso, avançou decidido contra o oficial e o apóstata dando-lhes cruenta morte. Matatias e seus cinco filhos organizaram então, uma resistência bélica, conhecida com o nome de
Revolta dos Macabeus, a qual, em levantamentos esporádicos, persistiu até o início da hegemonia romana.
Sob o domínio dos Selêucidas, a preservação das Sagradas Escrituras e sua tradução à língua corrente, seria impossível. O desígnio de Deus, porém, permitiu que outro ramo do mesmo tronco — os Ptolomeus - garantissem as condições favoráveis para a tradução da Septuaginta.
A dinastia dos Ptolomeus iniciou-se em 320 AC, com o governo de Ptolomeu I, providencialmente cognominado Soter, que significa "salvador". Teve seu centro administrativo em Alexandria, onde os judeus tiveram tratamento humanitário, e onde a religião e o pensamento judaicos transformaram-se em
verdadeiros focos de propagação.
Os judeus da Palestina desfrutaram de florescente período de prosperidade sob o domínio dos Ptolomeus. Os tributos eram pagos para o governo estabelecido no Egito, porém os assuntos da comunidade judaica eram administrados pelo sumo sacerdote. A grande figura deste período foi Simão o Justo, o qual é descrito no apócrifo Livro Eclesiástico como "grande entre seus irmãos e glória do seu povo". Simão reparou os muros da
cidade e o Templo de Jerusalém, dirigindo ao mesmo tempo, a construção dum grande reservatório
d'água para suprir as necessidades deste elemento durante as estações secas. No entanto, nenhuma expressão da fé judaica teve maior penetração e influência no ambiente pagão, do que a tradução da Septuaginta.
A Tradução da Septuaginta:
O relato sobre as circunstâncias que envolveram a tradução da Sep-tuaginta, é extraído dos escritos de Josefo e de urna antiga carta do sé-culo II AC, supostamente escrita por alguém chamado Aristéias, e enviada ao seu irmão Filócrates. Nesta carta é referido o conselho que Ptolomeu II Filadelfo recebera de seu bibliotecário, no sentido de obter uma tradução das Escrituras Hebraicas para a sua biblioteca real.
Ptolomeu Filadelfo, amante das artes e das letras, solicitou do su¬mo sacerdote Eleazar, de Jerusa¬lém, que lhe enviasse um grupo de judeus eruditos e versados nas duas línguas com uma cópia fidedigna da “Lei” (Torah). Os esco¬lhidos foram 72 judeus, represen¬tando as doze tribos de Israel, os quais, chegando à Alexandria, foram recebidos com muitas honra¬rias e hospedados isoladamente em aposentos da ilha de Pharos. Terminada a tradução, esta foi lida diante de massiva concentração de judeus e gregos, e entregue ao rei, entre frenéticos aplausos e salvas.
Jerônimo, padre da igreja cristã, relata que cada um dos tradutores fora colocado em aposentos separados, e que, logo após a conclusão do trabalho, as versões acharam-se miraculosamente idênticas. (12)
Deus orientou e levou a efeito cada um dos eventos, previamente pressagiados, que envolveram o surgimento desta monumental obra, a Septuaginta. Foi erigida para tes¬temunhar da originalidade e autori¬dade do texto hebraico, e para man¬ter a ligação da Palavra Divina com o classicismo de todas as épocas.

Referências:
1. Würthwein, Ernst. "The Text of the Old Testament" (Eerdmans Pub. Co. Michigan, 1979), pág. 49.
2. Septuaginta; edidit Alfred Rahifs (Privilegieite Württembergische Bibelans Talt. Stuttgart, 1952), pág. xxii.
3. Würthwein, Ibid.
4. Haskell, Stephen N. "The Story of Daniel the Prophet" (Review & Herald, Reprint by Heritage Library, Tenn. 1977), pág. 180.
5. Haskell, Op. cit., pág. 184.
6. Comentaristas modernos como John Hayes, estendem um manto de dúvida sobre o relato de Josefo.
7. Haskell, Op. cit., pág. 186.
8. The Holy Bible; It is Written Seminar Edition (Thomas Nelson Inc., Publishers, Tenn. 1975), pág. 856.
9. Hayes, John & Maxwell, J. Miller. "Israelite and Judaean History (The Westminster Press, Philadelphia, 1977), pág. 577.
10. The Holy Bible: It Is Written Sem. Edition, pág. 858.
11. Ibid.
12. Kagan, Donald: "The Western Heritage" (MacMillan Pub. Co. Inc., N.Y., 1979), pág. 166.

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